O custo da informação: interrupção ou invasão?

Última atualização: 6 de julho de 2018
Tempo de leitura: 4 min

Nunca pagamos o verdadeiro custo da informação. Todos os conteúdos disponibilizados nos meios de comunicação sempre foram subsidiados. A informação, seja para aprofundamento ou simples atualização, invariavelmente é patrocinada por interesses nem sempre claros, diretos ou transparentes. Em cada passo da evolução tecnológica, muda-se a forma mas não o objetivo. Deseja-se influenciar as decisões individuais e coletivas. O que inicialmente era apenas interrupção transformou-se em invasão. Com a eterna certeza que os fins justificam os meios, em todos os meios. Foi assim com Johannes Gutenberg, no caso da Bíblia, ou com Mark Zuckerberg, no caso da Cambridge Analytica.

Falamos muito em avanços tecnológicos e seus impactos, mas esquecemos que a TV foi uma tecnologia incrivelmente disruptiva. Alguns ainda acreditam mais no poder da TV que na internet. Vide os arranjos políticos, nos dias de hoje, para conseguir alguns segundos adicionais nas campanhas eleitorais. Historiadores afirmam que a TV foi o principal meio de comunicação criado no século XX. Tal afirmação é decorrente da amplitude de seu consumo pelas sociedades, possível à totalidade das classes sociais no mundo, e por ser um eficiente meio de divulgação de informações e ideologias. Próximo de completar um século, foi o russo Vladimir Zworykin, que vivia no EUA, o criador do tubo iconoscópico, base da televisão, e em 1928 foi realizada a primeira transmissão, por Ernst F. W. Alexanderson, que trabalhava para a GE.

Alguns anos depois, em 1941, surgiu o primeiro anúncio de TV, também conhecido como intervalo comercial, e a regra geral da interrupção. A publicidade então assume o papel duplo de financiador e vilão. O mal necessário. Hoje, é muito fácil escolher a sua própria programação. O que não escolhemos são os anúncios publicitários. Estes que repetidos milhões de vezes, criam desejos de consumo desnecessários. Mudamos de canal e lá está a propaganda mostrando uma pérfida realidade: se você tomar essa cerveja, a mulher mais bonita será sua. Se comprar esse carro, terá sucesso garantido. Se a criança tiver tal brinquedo, terá poderes de super-herói. Se a menina tiver tal boneca será a mais bonita e popular. Esqueça a realidade. Percepção é tudo.

Os interregnos se proliferaram. Intervalos comerciais, banners, outdoors, spots, páginas inteiras, colunas, etc. Todos eles são modelos de anúncios que cortam o fluxo do conteúdo, interrompendo o que as pessoas querem realmente consumir. Ao longo do tempo, em vez de melhorar, piorou. Os veículos de comunicação introduziram os informes publicitários, ou “publieditoriais”, usando uma abordagem educadora sobre os produtos e serviços, misturando publicidade e conteúdo de forma a passar despercebido. Os “merchans” (ou Merchandising) tornou difícil diferenciar o conteúdo pago daqueles que fazem parte da programação normal.

Mas tudo evolui. O que era apenas um simples interlúdio, e posteriormente uma mistura de conteúdo com programação, transformou-se em ações invasivas. Muitas vezes sem percebermos, entram na nossa vida sem permissão ou consentimento. Conseguem o número do nosso telefone, do celular, do nosso endereço, e-mail e muitas outras informações pessoais. Monitorando nossos rastros digitais, utilizando processos psicométricos, mapeiam nosso comportamento, nossos desejos e nossos medos. Tudo o que fazemos pode ser usado contra nós – o verdadeiro custo da informação.

Importante ressaltar que é velho o direito ao sigilo de determinadas informações e dados, corolário lógico do postulado constitucional da dignidade pessoal, do qual deriva a garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. E, para que se proporcione tal garantia, estabeleceu-se o antigo sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas. Recentemente, no dia 25 de maio, com o objetivo de dar guarida a um novo e mais completo certame de proteção de dados das pessoas, entrou em vigor, na União Europeia, o Regulamento Geral de Proteção de Dados – GDPR (General Data Protection Regulation), que alcançará todas as corporações fincadas em solo europeu e também, dependendo do caso concreto, os atores empresariais situados fora dos limites do Velho Continente. Leis semelhantes tramitam há anos no nosso Congresso.

Inconscientemente somos vítimas da manipulação dos nossos próprios dados. Recebemos informações que reforçam nossas convicções, ampliam nossas vontades, bloqueando opiniões contraditórias e até mesmo complementares. Alimentamos uma falsa sensação de liberdade de escolha. Ficamos confinados nas certezas impostas que apequenam a necessidade de verificar a veracidade das notícias veiculadas.

A solução será em curto prazo, encontrarmos um equilíbrio entre o financiamento e pagamento para a obtenção de bons conteúdos, se quisermos recuperar a proteção à nossa individualidade e à real liberdade de escolha e do nosso comportamento. Caso contrário continuaremos a ser invadidos e manipulados. Das mais variadas formas. E então, vale a pena o custo da informação?

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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