Mundo invertido: não se cura tuberculose com Viagra

Última atualização: 6 de fevereiro de 2019
Tempo de leitura: 4 min

Nossas conquistas sociais nos últimos anos são inquestionáveis. Brigamos por mais liberdade, transparência e igualdade. As pessoas estão mais emancipadas. O mundo não é mais o mesmo de ontem.

O colaborativismo cresce entre os jovens. Diminuiu a necessidade de posse e aumentou a de pertencimento. A diversidade de gênero é uma realidade. Estamos aprendendo a conviver com a presença disseminada da inteligência artificial no nosso dia a dia, no mercado de trabalho, e a lidar com os grandes volumes de dados. Desenvolvemos diversos estudos e pesquisas, com registros produzidos pelas nossas atividades e nossos comportamentos, na internet e nas redes sociais. Tudo isso nos possibilita uma rápida reflexão sobre nossa situação atual e, desta forma, temos algumas pistas em relação ao nosso futuro próximo. A primeira indicação é de uma tendência à solidão. Outra é a curva acelerada da obsolescência. Ou ainda, a preocupação e o desconforto em relação à empregabilidade.

Com certeza, um dos grandes problemas num futuro próximo se refere às nossas experiências afetivas. Apesar de um discurso amplo, correto e justo, encontramos cada vez mais jovens em consultórios de analistas.

Essa sim, parece ser uma grande profissão do futuro – e de todas as outras atividades que tratarem da nossa saúde mental. Nosso nível atual de ansiedade é extremamente elevado.

A depressão é uma sombra que nos acompanha diariamente. Como ouvi várias vezes de meu amigo Walter Longo, vivemos em uma época que os jovens querem consertar o mundo, mas não conseguem tempo para arrumar o próprio quarto. Pensam no fim do mundo, mas não conseguem se planejar para o final de semana. Defendem a ética, mas é provável que tenham uma regra própria voltada para os seus interesses. Cultuam e estudam profundamente ideologias antigas, mas possuem baixíssimas experiências práticas. Mas atenção, pelo amor de Deus, não estou criticando não. Já aprendi a conviver com isso sem problemas. Considero este cenário com traços e características contemporâneas, normal de uma nova geração.

A pandemia da obsolescência programada está descontrolada. Além de nociva ao meio ambiente, tornou-se uma estratégia humanamente não-sustentável. Essa estratégia de mercado que visava garantir um consumo constante por meio da insatisfação, de forma que os produtos e serviços parassem de funcionar ou se tornassem obsoletos e desnecessários, em um curto espaço de tempo, está chegando ao fim. Nossa percepção do tempo está distorcida. Transformamos um segundo em uma eternidade, ao mesmo tempo que os prazeres da vida passam tão rápido que não conseguimos usufruir. O novo fica velho antes de ser entendido. O conhecimento tem um papel difuso, principalmente como informação. A ampliação da acessibilidade à informação produz o desencanto até com a democracia. Neste caso pode até ser ruim, o difícil é encontrar modelo melhor para substituir.

Quando analisamos do ponto de vista do mercado de trabalho, verificamos que as profissões que conhecemos hoje podem desaparecer rapidamente. Com o avanço da inteligência artificial, os seres humanos serão superados em diversas tarefas. Colocaremos as máquinas para trabalhar. A consequência será uma nova classe de pessoas que além de não terem emprego, serão incapazes de conseguir um. Novas atividades exigirão novas habilidades, e essa busca por qualificação mudará completamente a relação capital e trabalho que temos hoje. Sentimos esses efeitos nos dias atuais e, com certeza, eles se intensificarão. A luta por igualdade deverá usar novas armas. Manifestações nas ruas, com faixa e cartazes, militantes e palavras de ordem, são pouco eficientes hoje, e serão ainda mais no futuro próximo. Temos de encontrar um novo modelo para expressar a opinião pública, que não prejudique outras pessoas e não provoque confrontos.

O mundo está mudando em velocidade muito acelerada e nos levando a um destino incerto. A maioria das situações em que vivemos permite diversas possibilidades de caminhos justamente por poderem assumir diferentes sentidos. O complicado tornou-se complexo. O simples desapareceu. São várias possíveis respostas a uma única questão mas nenhuma delas apresenta as melhores soluções. A volatilidade dos desejos resulta na ambiguidade de dores e prazeres. Não se cura tuberculose com Viagra.

O cenário pode ser difícil mas não trágico. As incertezas não devem nos deixar pessimistas. A humanidade sempre encontrou novos caminhos. O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos. Confio que voltaremos a valorizar as diferenças, pois elas nos complementam. A natureza é forte mas nem sempre é justa. O filósofo Platão, que criou o mito da caverna, nos explica que normalmente nos tornamos prisioneiros em ambientes com baixa iluminação. As sombras se transformam em criaturas reais. Ficamos entretidos e acreditamos serem as projeções as mais puras realidades. E sempre haverá em nosso viver um dia em que as engrenagens das coisas não rodem do jeito que sempre rodaram. De tempos em tempos saímos da caverna e caímos em um novo mundo.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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