Mentes Sombrias, Máquinas Sombrias

Última atualização: 2 de julho de 2025
Tempo de leitura: 4 min

Já se pegou questionando as motivações por trás de certas atitudes? Aquele colega de trabalho que parece sempre saber o que dizer para impressionar o chefe, o familiar que manipula situações para obter vantagens, ou até mesmo aquele líder carismático que, nos bastidores, toma decisões questionáveis. Esses comportamentos, embora diversos, podem compartilhar um elo sombrio: o Fator “D”. Mentes Sombrias, Máquinas Sombrias nos convidam a refletir sobre como traços obscuros da personalidade humana também podem moldar o uso e desenvolvimento da tecnologia.(https://curis.ku.dk/ws/portalfiles/portal/235972688/Moshagen_Hilbig_Zettler_2018_._The_dark_core.pdf).

O Fator “D” (Dark Factor of Personality) é um conceito relativamente recente na psicologia que busca unificar uma série de traços de personalidade considerados “sombrios” ou malévolos em um único espectro. Imagine uma paleta de cores escuras, onde cada tom representa uma característica como narcisismo (um senso exagerado de importância própria), maquiavelismo (manipulação e exploração de outros), psicopatia (falta de empatia e impulsividade), sadismo (prazer em infringir dor), egoísmo e moralidade distorcida (desconsideração por normas éticas). O Fator “D” seria a tinta base que permeia todas essas cores, a tendência comum a esses indivíduos de maximizar seus ganhos pessoais, muitas vezes às custas dos outros.

Essa tendência, que varia em intensidade de pessoa para pessoa, é o que nos leva a questionar se todos nós possuímos algum nível desse “lado sombrio”. A resposta, segundo a teoria do Fator “D”, é que sim, em maior ou menor grau, todos carregamos essa predisposição. Traços como egoísmo e competitividade podem ter raízes evolutivas, e as circunstâncias podem despertar comportamentos sombrios até mesmo em indivíduos geralmente empáticos.

É importante contrastar o Fator “D” com o conceito de inteligência geral, frequentemente medido pelo Fator “G”. Enquanto o Fator “D” se concentra em traços de personalidade aversivos, o Fator “G” busca unificar diferentes habilidades cognitivas, como raciocínio lógico, resolução de problemas e aprendizado. Embora distintos, esses fatores podem interagir de maneiras complexas. Uma pessoa com alta inteligência (alto “G”) pode usar suas habilidades para manipular e explorar os outros (alto “D”), enquanto traços sombrios podem motivar o uso da inteligência para fins egoístas. Mentes Sombrias, Máquinas Sombrias ilustram como essa combinação pode ter impactos profundos no comportamento humano e na forma como desenvolvemos e utilizamos tecnologias.

Essa sutileza é o que torna o Fator “D” tão intrigante e, ao mesmo tempo, tão difícil de identificar no dia a dia. Ele se esconde nas entrelinhas das interações sociais, nas decisões aparentemente banais e nas justificativas que encontramos para nossos próprios comportamentos.

Pense naqueles momentos em que você se sente compelido a distorcer um pouco a verdade para se destacar, ou quando experimenta um prazer sutil ao ver alguém que te irrita se dar mal. São lampejos do Fator “D” em ação, lembrando-nos de que a sombra também faz parte de nós.

Mas por que deveríamos nos preocupar com isso? A resposta está nas consequências. Indivíduos com altos níveis de Fator “D” tendem a se envolver em comportamentos tóxicos e prejudiciais, seja para si mesmos ou para os outros. Assédio moral no trabalho, relacionamentos abusivos, corrupção, violência e até mesmo a disseminação de desinformação podem ter raízes nesse núcleo sombrio da personalidade.

E é aqui que a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, entra em cena como um amplificador desse fenômeno. As redes sociais, por exemplo, podem se tornar um terreno fértil para a manifestação do Fator “D”. A impunidade proporcionada pelo anonimato, a busca incessante por validação e a facilidade de disseminar ódio e desinformação criam um ambiente onde traços como narcisismo, maquiavelismo e sadismo podem prosperar.

Os algoritmos, projetados para maximizar o engajamento, muitas vezes acabam por impulsionar conteúdos que apelam às nossas emoções mais primitivas, como raiva e medo, exacerbando a polarização e a desconfiança.

A inteligência artificial, por sua vez, tem o potencial de refinar ainda mais essas técnicas de manipulação. Mentes Sombrias, Máquinas Sombrias: modelos de linguagem avançados podem ser usados para criar narrativas persuasivas sob medida para cada indivíduo, explorando suas vulnerabilidades e desejos mais profundos. A linha entre persuasão e manipulação se torna cada vez mais tênue, levantando questões éticas complexas sobre o futuro da autonomia humana.

Ao compreendermos o Fator “D” e sua interação com as tecnologias digitais, podemos começar a enxergar os padrões que antes nos escapavam. Aquele comportamento egoísta do colega, a sede de poder do líder político, a crueldade nos comentários online – tudo isso pode ser analisado sob a lente desse fator unificador.

Afinal, a chave para combater a sombra está em reconhecê-la. Ao trazer o Fator “D” para a luz da consciência, podemos desenvolver ferramentas para mitigar seus efeitos nocivos e construir uma sociedade mais ética, empática e justa.

Compartilhe:

Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

Posts relacionados
O Perigo Não Está na...

Em 1988, um jovem acadêmico chinês chamado Wang Huning cruzou o Atlântico...

Leia mais >
CÍCERO: O Agente de IA Que...

A inteligência artificial já não é apenas uma ferramenta para automatizar...

Leia mais >

Entre em contato

Descubra como a sua empresa pode ser mais analítica.