
Última atualização: 17 de dezembro de 2025
Tempo de leitura: 6 min
O fracasso da inteligência artificial generativa nas empresas virou estatística: relatórios como o do MIT apontam que 95% dos projetos não trazem impacto relevante em receita ou eficiência. Individualmente Funciona, Mas Coletivamente Fracassa — e, para os que olham superficialmente, isso parece apenas um problema de estratégia ou integração. Para os que repetem narrativas confortáveis, é só uma questão de tempo até os modelos amadurecerem. Mas quem acompanha de perto sabe que a raiz é mais profunda e mais incômoda: o fracasso não é tecnológico, não é estratégico e tampouco regulatório. O fracasso é humano.
A lógica empresarial continua sendo governada por processos que, embora travestidos de planilhas, fluxos digitais e metodologias ágeis, permanecem essencialmente analógicos. Eles dependem de zonas cinzentas, de improviso, da política interna e de hierarquias que não seguem qualquer racionalidade cartesiana. A IA é matemática pura, lógica encarnada, incapaz de compreender a teia de inseguranças e sabotagens conscientes ou inconscientes que estruturam uma organização. O que trava os projetos não é a ausência de capacidade técnica, mas a incapacidade de lidar com o elemento humano que opera em camadas invisíveis, motivado por medo de substituição ou necessidade de valorização.
Executivos costumam acreditar que, se um piloto funciona em pequena escala, basta replicá-lo em larga escala e colher os frutos. Essa visão é ingênua, quase infantil, mas é a lógica natural de quem está no poder e precisa justificar investimentos. Um chatbot que resolve dúvidas em um departamento vira, de repente, a promessa de automatizar o relacionamento com milhões de clientes. Uma ferramenta que acelera a produção de um relatório isolado vira a esperança de reestruturar toda a área de comunicação. O problema é que, ao escalar, não se replica apenas a eficiência pontual, mas se expõe a complexidade, as contradições e a resistência de todo o sistema humano que não deseja ser transformado.
Há também uma ilusão perigosa sobre as prioridades. Mais da metade dos investimentos em IA generativa é destinada a vendas e marketing, como se toda a empresa fosse resumida à obsessão por convencer o cliente de que ele sempre tem razão. A lógica financeira mostra o contrário: os maiores ganhos estariam na automação administrativa, na redução de custos de suporte, na eliminação de redundâncias. Mas isso exige mexer em funções que, há décadas, foram empurradas para áreas terceirizadas ou departamentos acomodados, e qualquer tentativa de tocar nesse terreno desperta defensividade imediata. O resultado é previsível: a empresa aposta onde é mais visível, mas negligencia onde realmente poderia gerar valor.
Os fornecedores especializados alimentam o problema. Vendem personalização, mas entregam playbooks prontos. O que funcionou em um cliente é reaplicado em outro, sem compreender as particularidades do contexto. Até que a empresa perceba a inadequação, o contrato já está encerrado, a apresentação de resultados já foi feita e o fornecedor já seguiu para o próximo caso de sucesso. A equipe interna, por sua vez, carrega um fardo diferente. Conhece os problemas reais, mas está presa à política interna, ao medo de perder espaço e à descrença de que conseguirá conduzir mudanças profundas. Gasta energia para contextualizar e justificar, em vez de simplesmente resolver. O que se repete é a lógica de que santo de casa não faz milagre.
Na linha de frente, o cenário é ainda mais corrosivo. Funcionários veem qualquer mudança como ameaça. Se participam do processo, moldam a tecnologia para preservar o status quo e acabam domesticando a inovação até que ela perca sentido. Se são excluídos, boicotam silenciosamente para provar que a solução não funciona. A IA entra na empresa como promessa de transformação, mas encontra um ambiente onde a autodefesa é prioridade. Não se trata de sabotagem planejada, mas de um instinto coletivo de sobrevivência. E nesse choque entre lógica algorítmica e lógica humana, a vitória é sempre da última.
O Shadow IA surge nesse vácuo. Funcionários usam ChatGPT e outras ferramentas sem autorização, escondendo do gestor o ganho de produtividade que alcançam individualmente. Não é um capricho, é um reflexo do ambiente de desconfiança. Eles sabem que, se admitirem o uso, o mérito será apropriado pela empresa para justificar cortes. Então escondem, fingem que não usam, mas se beneficiam. Essa assimetria explica o paradoxo: individualmente a IA funciona, mas coletivamente fracassa. No nível do sujeito, a tecnologia é libertadora. No nível da corporação, ela se torna inviável, porque cada lado joga para proteger seus próprios interesses.
O discurso de que o fracasso é estratégico ou de integração é um eufemismo elegante. É mais fácil culpar o planejamento ou o desenho do processo do que admitir que o problema está na confiança entre pessoas. A empresa deseja usar a IA para substituir funcionários; os funcionários desejam usá-la para ganhar tempo e valor, mas não querem perder o emprego. A colaboração é encenada, a adesão é performática, e por trás dos relatórios de inovação existe um teatro de sabotagens e boicotes sutis. O fracasso não é acidental, é estrutural.
Por isso, a métrica de 95% de projetos que dão errado não deveria ser vista como catástrofe, mas como coerência. A IA escancara a hipocrisia do ambiente corporativo, onde todos falam em inovação, mas ninguém quer abrir mão de poder ou espaço. O fracasso não é da tecnologia, mas da ilusão de que uma organização construída sobre desconfiança, política e autoengano seria capaz de absorver uma ferramenta que exige transparência, lógica e consistência. Enquanto houver esse abismo, a estatística não vai mudar.
O relatório do MIT acerta ao mostrar que os resultados são marginais, mas erra ao procurar as causas em variáveis técnicas ou estratégicas. A verdade é mais simples e mais dura: o fracasso da IA generativa nas empresas é humano. E talvez seja justamente isso que não queremos admitir. Afinal, é mais confortável culpar o algoritmo, a regulação ou o fornecedor do que encarar a realidade de que somos nós, com nossos medos, sabotagens e jogos de poder, que tornamos inviável aquilo que, no fundo, poderia transformar a forma de trabalhar. Não é a IA que fracassa. É a nossa incapacidade de lidar com ela.
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