Última atualização: 6 de abril de 2019
Tempo de leitura: 4 min
Às vezes não percebemos as transformações nos nossos comportamentos e nas nossas expectativas e de que forma isso refletirá no nosso futuro. Algumas dessas mudanças são profundas, outras são sutis. Por exemplo: antigamente comprávamos jornais nas bancas e assistíamos TV de graça. Hoje, recebemos gratuitamente jornais no trânsito, e pagamos várias empresas para assistir TV. O telefone era um aparelho para falar, hoje é para escrever. Aparelhos de som possuíam enormes caixas de som, hoje temos fones de ouvido. Existiam revistas de mulheres (e homens) nus, hoje recebemos nudes. Os bons vendedores tinham de ser agradáveis, e sabiam contar piadas, quando visitavam os compradores. Hoje, entramos em sites e compramos tudo sozinhos, de roupas a carros, muitas vezes em silêncio. Também não vamos mais aos bancos para pagar as contas. Podemos fazer isso pelo celular. O Imposto de Renda já vem pré-preenchido. Piadas só por WhatsApp. As pessoas perguntavam qual time de futebol nós torcíamos, agora perguntam se temos “Cartola”. Para as visitas oferecíamos café, hoje informamos a senha do Wi-Fi. E por aí vai…
O fato é que essas metamorfoses comportamentais estão impactando nosso funcionamento neurológico. Nossas emoções e sentimentos são decorrentes, em última instância, do nosso funcionamento cerebral. O colapso parece eminente. Como resultado temos jovens, de todas as idades, entrando armados em escolas, fuzilando pessoas e ideias. As brincadeiras, desafios e provocações para o suicídio são planejadas em conjunto, no conforto das nossas casas. Mesmo os mais avançados recursos tecnológicos de mapeamento de imagem do cérebro não conseguem identificar as oscilações no nosso humor. Aprofundamos nossos conhecimentos sobre os neurotransmissores, os receptores, a plasticidade neural, entre tantas outras coisas, mas o resultado é expresso em depressão e ansiedade. Se olharmos algumas grandes orientações futuras, encontramos diversos outros pontos que afetarão nossas atitudes e condutas.
Se no passado morar em um apartamento grande, e em condomínios com muitos itens na área de lazer era sinal de status e prestígio, a tendência agora é exatamente o contrário: metragens privativas reduzidas, áreas de lazer mais compactas e bem equipadas. Muitos serviços e tecnologia dão o tom dos investimentos disponíveis para a próxima década. Entre os fatores que levam à essa mudança no mercado, quatro se destacam: a presença crescente das mulheres no mercado de trabalho; as famílias menores, já que os casais têm menos filhos; a vida digital, que diminui a circulação das pessoas dentro dos ambientes da casa e a redução da presença dos trabalhadores domésticos, devido, entre outras coisas, ao aumento dos custos com esses empregados.
Falar em tempo real com o seu cliente é a tendência de atendimento. Hoje, não existe mais barreira para se relacionar com alguém. Com as redes sociais e os aplicativos de bate-papo, tudo o que basta é enviar uma mensagem instantânea. Quando se trata do relacionamento com o cliente, as empresas estão preparadas para responder os contatos rapidamente. Se a clientela quer tirar dúvidas, fazer reclamações, enviar sugestões e resolver problemas o mais rápido possível, existem os bots. São programas de computador que simulam uma pessoa na conversação. Você fala com a máquina e ela está “treinada” para atender suas necessidades. Os empregos desaparecem e as respostas são padronizadas. Tudo fica gravado e milhares de dados são armazenados.
Em relação aos nossos hábitos alimentares, podemos analisar muitas mudanças. A instabilidade do poder de compra, da falta de tempo, do envelhecimento da população, entre outros, modificou profundamente as preferências e as escolhas do que será consumido. Nossa alimentação ou já vem pronta, ou comemos fora de casa. Apesar do paradoxo, nunca se falou tanto em saúde e bem-estar. Cada vez mais produtos naturais são ofertados. Mesmo eles sendo comparativamente “feios” e caros. Somamos a isso os orgânicos. A alimentação alternativa reforça produtos sem alguma coisa. A bola da vez são o glúten e a lactose. Vivemos sempre em alerta contra os perigos do uso de agrotóxico e transgênicos. A promessa de produtos livres de veneno está supervalorizada.
Aparentemente esse será nosso futuro. Viveremos apertados, envolvidos por aparelhos inteligentes, conversando com robôs e comendo produtos prontos, fora de casa. Mesmo com os bilhões investidos nos últimos 30 anos em psicofarmacologia, nenhuma medicação conseguiu neutralizar os novos problemas. As novas drogas como vortioxetina (para transtorno depressivo maior), lurasidona (para esquizofrenia e transtorno bipolar) e esketamina (anestésico geral e para depressão resistente), apesar de terem seu valor, estão longe de serem de fato revolucionárias. Sabemos que será inevitável medicalizar e farmacologizar as questões humanas. O futuro poderá ser inquietante. Lembro que recentemente li na resenha de um livro, chamado “Our Psychiatric Future” (Nosso Futuro Psiquiátrico), de Nikolas Rose, que me chamou a atenção. Ele relatava a possibilidade de se criar uma pílula para a cura de uma epidemia já prevista no próximo século: a solidão.
Compartilhe:
Descubra como a sua empresa pode ser mais analítica.