Comunicação: dobradiça do tempo

Última atualização: 13 de novembro de 2020
Tempo de leitura: 4 min

Os desafios da vida contemporânea. Enquanto a sociedade se polariza, a economia se concentra nas mãos de poucos, a tecnologia avança em alta velocidade e a comunicação, por sua vez, é manipulada, falseada, distorcida e enviesada. Em determinados momentos, parece que vivemos tempos sobrepostos, em um tipo de dobradiça da história – movimento com o propósito de aplicar a razão e as evidências em prol do bem comum -, como (bem) citou o jornalista Richard Fisher, da BBC. Pode parecer estranho, mas exemplos não faltam.

Desde as primeiras civilizações, desenvolvemos meios para facilitar a nossa comunicação. Conta a história, que na Pérsia antiga, em 500 a.C., surgiu o primeiro “correio” eficiente do mundo. Havia centenas de estações espalhadas por todo o reinado e os mensageiros, montados a cavalo, iam de uma à outra levando recados. O objetivo do sistema – conhecido como angarion – era servir de aparato de inteligência e, posteriormente, fazer a cobranças de impostos.

Impossível não fazer um paralelo com os tempos atuais, sobre a legitimidade das informações trocadas pelos correios. Incluindo votos. O sistema postal em que qualquer pessoa pode enviar um documento a outra, é uma invenção da França, atribuída ao monarca Luís 14. Implantado em 1653, esse serviço não foi criado para facilitar a comunicação entre os parisienses, mas para levantar dinheiro e assim conseguir financiar as guerras. Nos dias de hoje, para os americanos, os correios estão alimentando guerras jurídicas. Em tempos de pandemia criou-se a celeuma de que muitas são as irregularidades postais.

Os correios dos EUA nasceram praticamente junto com o país. Eles foram criados em 1775 por Benjamin Franklin, que se tornou o primeiro responsável pelo serviço. Anos depois, em 1789, a Constituição foi ratificada – e os correios foram incluídos logo no primeiro artigo. O sistema de votação americano data de 1787, quando a Constituição estava ainda sendo elaborada, e era praticamente impossível a realização de uma votação popular nacional para eleger um presidente, por conta do tamanho do país e das dificuldades de comunicação. Votações pelo correio não são uma novidade, apenas ganharam maior relevância este ano, por conta do coronavírus e da tentativa de evitar aglomerações de pessoas votando presencialmente.

Pensando na questão da dobradiça, vamos analisar também o tempo. Segundo a socióloga Elise Boulding, estamos sofrendo de “exaustão temporal”, pois o presente nos consome de tal forma que não sobra energia para imaginar o futuro. Não é de admirar que problemas perversos como mudança climática ou desigualdade social pareçam tão difíceis de resolver agora. É por isso que pesquisadores, artistas, tecnólogos e filósofos estão convergindo para a ideia de que o curto prazo pode ser a maior ameaça que nossa espécie enfrenta neste século. Alguns pensadores defendem a priorização na atenção aos nossos descendentes distantes. O caminho de longo prazo do Homo sapiens apresentou obras culturais que lutam com o tempo. Desde a arte rupestre aos atuais engenheiros do Vale do Silício, registramos símbolos. O mais recente é a construção um relógio gigante que promete durar 10 mil anos.

A tentativa ambiciosa de tirar a atenção das pessoas do pensamento de curto prazo é do bilionário Jeff Bezos. Seu escopo de visão é daqui a 10.000 anos, porque foi há cerca de 10 milênios que a agricultura se espalhou e as civilizações começaram. O Relógio está sendo instalado nas montanhas do oeste do Texas, em terras de propriedade da Amazon, com um orçamento previsto de US$ 42 milhões. Apesar de alguns objetivos não declarados, sua intenção é chamar a atenção para pensarmos no futuro da humanidade e do nosso planeta.

A percepção do tempo sempre foi relativa. Na política o tempo dominante é um mandato, na moda e na cultura é uma temporada, nas empresas é um mês, na internet são minutos e nos mercados financeiros são meros milissegundos. Millôr Fernandes escreveu que quem “mata o tempo, não é um assassino é um suicida”. Temas como a questão climática, Inteligência Artificial, pandemia e saúde pública, biogenética, projetos espaciais, entre outros, são efetivamente atemporais. Porém, todas as nossas decisões de hoje afetarão as gerações futuras. Principalmente em um momento negacionista, de desvalorização e descredito da ciência.

Passado, presente e futuro. O tempo está em nossas mãos. Em maio de 1500 foi enviada a primeira carta do nosso País. Trata-se da famosa correspondência que o navegador Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal, relatando a exuberância do Brasil, deslumbrado diante de um Novo Mundo. O primeiro registro da história do Brasil. Época de grandes descobertas e conquistas gloriosas. Apresentava informações equivocadas, e demorou semanas para chegar ao destino.  Bons tempos em que não se duvidava do que chegava pelos correios.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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