A Próxima Corrida

Última atualização: 24 de dezembro de 2025
Tempo de leitura: 7 min

A computação quântica sempre esteve envolta em uma aura de mistério, associada a laboratórios de física avançada, pesquisadores de jaleco e uma linguagem que parecia distante do cotidiano. No entanto, essa distância não deve nos enganar. A Próxima Corrida começa quando, assim como a inteligência artificial foi apresentada ao grande público por meio do ChatGPT — uma interface amigável que tornou palpável algo até então restrito a papers e experimentos — a computação quântica também terá o seu momento de estreia, um debut capaz de atravessar o universo técnico e se instalar no imaginário coletivo. A diferença é que, ao contrário da IA, essa chegada não será marcada por uma experiência lúdica de conversa, mas por um impacto direto em setores sensíveis da economia e da segurança digital.

Para entender essa possível virada, é preciso lembrar o que diferencia a computação quântica do que usamos hoje. A lógica clássica de um computador se baseia em bits que assumem valores binários, 0 ou 1, de forma sequencial. A lógica quântica opera com qubits, capazes de estar em superposição, ou seja, em 0 e 1 ao mesmo tempo. Essa propriedade permite que algoritmos quânticos explorem múltiplas soluções de forma paralela, algo que computadores convencionais só poderiam tentar por força bruta e com enorme custo de tempo e energia. Essa mudança de paradigma abre espaço para a exploração de problemas que envolvem combinações quase infinitas de possibilidades, tornando-se especialmente relevante em áreas como criptografia, finanças, simulações moleculares e cadeias de suprimento globais.

A provocação é inevitável: se na vida pessoal e nos negócios sempre convivemos com a angústia de não saber como teria sido o caminho que não escolhemos, a computação quântica promete justamente a possibilidade de simular múltiplos caminhos antes da decisão. A Próxima Corrida se desenha nesse ponto, como se a metáfora dos mundos paralelos, tão explorada pela ficção científica, ganhasse um equivalente tecnológico. Claro que não veremos realidades alternativas como em um filme, mas algoritmos quânticos serão capazes de explorar cenários em paralelo, atribuir probabilidades e indicar rotas mais eficientes ou menos arriscadas. Decisões que hoje parecem mergulhos no escuro poderão ser tomadas com uma percepção mais ampla do espaço de possibilidades.

Mas onde essa promessa deve se materializar primeiro? A saúde sempre aparece como área mais simbólica e emocional. A manchete de que um computador quântico acelerou a descoberta de um medicamento contra o câncer teria impacto global imediato. No entanto, a dinâmica científica e regulatória desse setor é lenta e relutante. Não basta calcular uma interação molecular em segundos, é preciso passar por protocolos clínicos, validações acadêmicas e processos regulatórios que levam anos. Por isso, é mais provável que o grande palco inicial esteja na economia, na criptografia e nas comunicações.

A segurança digital é o primeiro território onde um salto quântico poderia ter efeito disruptivo instantâneo. Os sistemas de criptografia que protegem transações bancárias, comunicações corporativas e até segredos de Estado se apoiam em protocolos matemáticos que seriam quebráveis por algoritmos quânticos. O dia em que um computador desse tipo conseguir provar que decifrou uma chave criptográfica em poucas horas será o início de uma nova era. Mais do que uma descoberta acadêmica, será uma ameaça direta à confiança que sustenta a internet e, ao mesmo tempo, uma corrida desesperada pela adoção de padrões pós-quânticos já em desenvolvimento.

Esse mesmo impacto se desdobra no blockchain e no ecossistema de criptoativos. O valor simbólico do blockchain está na promessa de imutabilidade. Se a computação quântica conseguir demonstrar a fragilidade dessa promessa, abalará todo um mercado construído em torno dela. Ao mesmo tempo, projetos que integrarem criptografia quântica poderão se vender como a nova geração de confiança digital, atraindo capital e atenção global. Seria um debut espetacular, não porque todos entendam os detalhes matemáticos por trás da quebra de uma chave ou da criação de uma rede segura, mas porque todos sentiriam o impacto prático em transações, investimentos e até identidades digitais.

Outro cenário plausível está no mercado financeiro. Bancos e fundos já testam algoritmos quânticos para simulações de risco e otimização de portfólios. Imagine um comunicado de que um grande banco evitou bilhões em perdas ou conseguiu ganhos extraordinários porque rodou cenários quânticos que nenhum outro competidor conseguiu. Seria o bastante para acender os holofotes e transformar a computação quântica em objeto de desejo e medo no mesmo instante. Não seria uma apresentação para o público leigo via interface, mas sim uma estreia pela narrativa de poder econômico, da mesma forma que crises ou colapsos financeiros já capturam a imaginação coletiva mesmo que a maioria não entenda seus mecanismos técnicos.

Vale destacar que a computação quântica não vem para disputar protagonismo com a inteligência artificial, mas para potencializá-la. A Próxima Corrida está justamente nessa convergência: se a IA já mostra resultados impressionantes ao lidar com grandes volumes de dados, sua limitação ainda está no tempo e nos recursos necessários para treinar modelos gigantescos. Um computador quântico, ao lidar com espaços combinatórios massivos, pode acelerar esses processos a níveis hoje inimagináveis. A ideia de uma “IA quântica” deixa de ser ficção para se tornar um horizonte estratégico de pesquisa já perseguido por empresas como IBM e Google. Nesse sentido, se a IA foi a estrela da década de 2020, a computação quântica pode ser a infraestrutura invisível que, a partir dos anos 2030, sustentará um novo salto no poder computacional da humanidade.

O curioso é perceber que, apesar da magnitude de suas promessas, a computação quântica ainda ocupa pouco espaço na mídia de massa. Enquanto a inteligência artificial virou tema cotidiano, da escola ao parlamento, os avanços quânticos são noticiados em jornais de economia, revistas especializadas ou em comunicados corporativos que passam despercebidos do grande público. É como se estivéssemos diante de uma revolução silenciosa, aguardando apenas o estalo que a fará explodir no imaginário social.

Esse estalo virá do momento em que uma notícia deixará de ser apenas técnica e se tornará inescapável. Pode ser a quebra de um protocolo de segurança, a demonstração de uma comunicação inviolável via satélite ou um salto inédito em aplicações financeiras. Seja qual for o caminho, a computação quântica terá seu ChatGPT, não como uma conversa divertida em uma tela, mas como uma disrupção que forçará governos, empresas e indivíduos a repensar como vivem, transacionam e se protegem no mundo digital.

Quando esse dia chegar, muitos olharão para trás e se perguntarão como não perceberam antes os sinais. Afinal, sempre estivemos cercados de escolhas sem retorno, sem saber o que teria acontecido se a rota fosse outra. A computação quântica vem justamente para mudar esse jogo, permitindo que múltiplas possibilidades sejam testadas antes da decisão. Não é o poder de revisitar o passado nem de habitar universos paralelos, mas de ampliar a consciência do presente. Um presente em que tecnologia e geopolítica se confundem, e onde a disputa por poder passa a ser travada não apenas por armas ou recursos, mas por quem é capaz de calcular o futuro com mais profundidade.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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