A ignorância e o dilema do bonde

Última atualização: 12 de dezembro de 2018
Tempo de leitura: 4 min

É triste, paradoxal, mas verdadeiro. Sabemos menos do que imaginamos, e muito menos que pensamos saber. O saudoso Stephen Hawking dizia: “O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento.”

Aprofundando essa linha de argumentação, dois cientistas cognitivos, Steven Sloman e Philip Fernbach, escreveram o livro “The Knowledge Illusion: Why We Never Think Alone” afirmando que nosso conhecimento é, ao mesmo tempo, poderoso e superficial. Filosoficamente, utilizamos o pensamento moderno para mudar as perspectivas sobre as coisas do mundo e sobre as ações que devemos tomar para melhorar as percepções da realidade, buscarmos soluções para mudanças no status quo em que estamos inseridos. Linha reforçada pelo pensamento liberal, que segundo dizem, está na moda no Brasil.

Analisando um pouco o tema, vemos que o pensamento liberal depositou muita confiança no indivíduo racional. A democracia acredita que o eleitor sabe o que é melhor na hora de votar, o mercado capitalista acredita que o cliente sempre tem razão e o investidor raciocina friamente; e a educação liberal acredita ensinar e capacitar os estudantes a pensarem por si mesmos.

Racionalmente irracionais

A ética liberal confia que sabemos exatamente quais opções que escolhemos. No entanto, vários fatos cotidianos e científicos exemplificam que não somos indivíduos racionais. Não só somos irracionais como somos “Previsivelmente Irracionais”, como já descreveu Dan Ariely em seu primeiro livro de grande sucesso. Não vamos nos prender apenas na racionalidade pois, individualmente, também temos problemas lógicos. Engana-se aquele que pensa estar agindo por si mesmo. Todos somos sociais e tribais. Pensamos em grupo.

Nenhum indivíduo sabe o suficiente para construir sozinho um supercomputador, um foguete, uma pirâmide ou uma bomba nuclear. Mas com o conhecimento coletivo conseguimos projetar e construir essas e outras maravilhas tecnológicas. Nossa vantagem como espécie humana é a capacidade de trabalhar em grupos.

Não conseguir processar informações nos aproxima da ignorância

Em contrapartida, o mundo está ficando cada vez mais complexo. As informações abundantes. E não nos damos conta de quão ignorantes somos. E não vamos nos apegar à superficialidade do significado da palavra ignorante. Em alguns casos, essa palavra não possui um sentido tão pejorativo. Pode ser a qualidade de alguém que é inocente e ingênuo. Mas esta palavra remete também para alguém que não conhece uma coisa por não ter estudado a respeito ou que apresenta comportamentos incivilizados e rudes. Mas, não podemos esquecer que existe uma diferença entre agir por ignorância e agir na ignorância.

Quem age por ignorância, age por falta de conhecimento, é forçado, tratando-se de uma ação involuntária. Quem age na ignorância, é incivilizado de forma voluntária. O filósofo grego Aristóteles afirmou: “O ignorante afirma, o sábio dúvida, o sensato reflete.” Em um mundo onde a maioria está convicta e cheia de razão, esquecemos que uma das bases da aquisição do conhecimento é ter dúvidas.

Trabalhar com informações, muitas vezes, é angustiante. Imaginamos que apresentando fatos precisos, relatórios especializados, dados, gráficos e planilhas, vamos influir na opção do cidadão ou mudar a opinião pública. Esta é uma esperança equivocada, pois neste caso estamos acreditando na racionalidade individual. Ao contrário, no dia a dia, adotamos nossas crenças e opiniões por lealdade ao grupo que pertencemos.

O poder do pensamento de grupo é tão penetrante que é difícil se livrar dele mesmo quando parece ser bastante absurdo ou arbitrário. Nós, humanos, sempre vivemos na era da pós-verdade, pois nosso poder e conhecimento depende de criar ficções e acreditar nelas. Temos exemplos de vários cientistas que passam a vida toda para provar que estão certos. Alguns não conseguiram.

Somos seres pensantes capazes de cooperar e investir em estranhos, porque somente nós, humanos, somos capazes de criar narrativas ficcionais, montar PowerPoints, espalhá-las e convencer milhões de indivíduos a acreditar nelas. As startups estão aí para provar essa loucura. Tão mitológico que, quando dão certo, se chamam de unicórnios.

Enquanto todos acreditarmos nas mesmas ficções, todos obedeceremos às mesmas leis e, portanto, cooperaremos efetivamente. Esta é a lógica humana da ideologia. Um instrumento de dominação que age por meio de convencimento, persuasão ou dissuasão, de forma prescritiva, alienando a consciência, e limitando a reflexão.

Racionalidade x ética

Para exercitar o que digo, vamos a um experimento que considere esta hipótese: um bonde desce os trilhos, descontrolado. Cinco trabalhadores estão fazendo consertos mais abaixo na mesma linha, e você espectador, rapidamente percebe que todos serão mortos pelo bonde. Então descobre que há um botão, que acionado, desviará o bonde para um trilho diferente e neste caso, um único trabalhador será morto. O que você faz? Isso deve ser feito? O que seus amigos fariam? Como ficará sua consciência?

Não sei quem realmente disse, mas a frase é verdadeira. “A ignorância é uma benção”. Muitas vezes preferimos não ter o que escolher. Portanto, quando possível, devemos ser céticos em relação ao nosso próprio conhecimento e à sabedoria da comunidade a qual pertencemos.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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