
Última atualização: 29 de outubro de 2025
Tempo de leitura: 2 min
Como é difícil escrever com criatividade. Estamos em crise. Durante anos, a educação superior tratou a escrita como se fosse um simples indicador de desempenho. O texto final, polido e entregue no prazo, virou sinônimo de aprendizado bem-sucedido. Mas no fundo, todo mundo sabia da farsa silenciosa. Alunos sobrecarregados produziam redações rápidas, recheadas de citações decoradas e estruturas previsíveis, enquanto professores corrigiam pilhas de textos sem tempo para acompanhar o processo criativo de ninguém.
A inteligência artificial não inventou esse problema. Ele só arrancou a cortina. A IA generativa não está destruindo a capacidade dos alunos de escrever ou pensar: está apenas tornando visível um dilema antigo que o ensino superior preferiu ignorar. Quando tudo é mensurado por entrega e fluência aparente, por que não terceirizar o processo?
Se o sistema educacional já vinha estimulando a eficiência em detrimento da reflexão, o uso da IA pelos estudantes não é uma fraude, mas a consequência lógica desse modelo. No fundo, o problema não é a tecnologia, mas a própria pedagogia da performance.
Durante décadas, as instituições de ensino incentivaram uma corrida para produzir textos cada vez mais rápidos, mais funcionais, mais “publicáveis”, como se escrever fosse um ato burocrático e não uma prática de invenção do pensamento. Agora, os modelos de linguagem cumprem exatamente esse papel: produzem textos funcionais, com velocidade e eficiência superiores à humana.
O incômodo é perceber que eles fazem exatamente o que o sistema educacional vinha premiando há tempos. E talvez essa seja a verdadeira crise: descobrir que o que chamávamos de aprendizado já era, em muitos casos, uma terceirização do pensamento, só que disfarçada de competência.
Quando um estudante usa um chatbot para estruturar uma redação ou resumir um PDF que sequer leu, ele não está sendo preguiçoso. Ele está respondendo às regras do jogo. E o jogo é esse: produza mais, mais rápido, com aparência de domínio, ainda que o processo interno não aconteça.
O que a IA fez foi acelerar esse ciclo até o limite do absurdo. A pergunta incômoda não é como impedir os alunos de usar IA, mas por que eles deveriam querer evitá-la, se o modelo atual já os empurra para o atalho. Em vez de demonizar a ferramenta, talvez devêssemos reescrever as regras da educação.
Não para ensinar a fugir da IA, mas para criar contextos em que a criatividade, a dúvida e o erro sejam valorizados como parte do processo. Caso contrário, estamos em crise: a escrita humana vai continuar sendo só mais uma formalidade entre entregas. E a diferença entre o que é pensamento e o que é mera produção de texto vai se tornar irrelevante.
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