Comunicação no Divã

Última atualização: 22 de outubro de 2025
Tempo de leitura: 5 min

Se existe um setor que vive permanentemente na fronteira entre ser estratégico e ser ignorado, esse setor é a comunicação. Nenhuma empresa se atreve a dizer publicamente que comunicação não é importante. Nenhuma. Pelo contrário. Nos discursos, nas premiações e nos relatórios institucionais, a comunicação ocupa sempre um lugar nobre, cheio de adjetivos bonitos: reputação, imagem, relacionamento, credibilidade, transparência. Mas, na prática, o roteiro é outro. Em Comunicação no Divã, vemos que o setor segue sendo tratado como um apêndice operacional, uma peça de última hora no jogo corporativo. É chamada para anunciar decisões que não participou. É acionada para explicar problemas que não ajudou a evitar. E, ironicamente, é cobrada como se tivesse controle sobre aquilo que nunca lhe foi dado poder de influenciar.

O que não se percebe é que essa postura não é só um erro tático. É um erro cognitivo. É o sintoma de uma mentalidade corporativa que não migrou. Uma mentalidade que ainda enxerga comunicação como um serviço de suporte e não como uma arquitetura invisível que sustenta marcas, relações, cultura, governança e, no limite, a própria licença social para operar.

O mundo inteiro mudou. A economia se digitalizou. A cultura se “plataformizou”. As relações se hiperconectaram. Mas o lugar da comunicação dentro das empresas continua sendo o mesmo que prevalecia no mundo analógico. É um pensamento que aceita a comunicação como meio, mas nunca como inteligência. Como estética, mas não como estratégia. Como consequência, mas não como construção.

Enquanto isso, a inteligência artificial explode em todos os setores, impondo uma nova camada de complexidade e, ao mesmo tempo, de possibilidade. Mas a IA não resolve mentalidades estagnadas. Pelo contrário. Ela as expõe. Porque IA, por si só, não transforma nada. Apenas amplia o que já existe. Se o pensamento é operacional, a IA entrega automação burra. Se o pensamento é estratégico, a IA vira motor de análise, de previsão, de compreensão profunda do ecossistema de reputação e influência.

E aqui entra o paradoxo que ninguém gosta de encarar: a IA, tão celebrada como ferramenta de transformação, não transforma empresas que não sabem, antes, transformar a si mesmas. Ela é um espelho, não uma salvação.

A comunicação que ainda briga por espaço no organograma, que ainda precisa provar seu valor com relatórios cheios de dados irrelevantes, não está sendo apenas desvalorizada. Está sendo extinta. Não pela tecnologia. Mas pela própria incapacidade de evoluir de uma lógica de serviço para uma lógica de inteligência.

Isso separa empresas que ainda discutem se a IA vai dar certo, daquelas que já estão redesenhando seus modelos de negócio a partir dela. Separa quem ainda acha que monitorar notícia é fazer clipping, de quem já entendeu que analisar informação é mapear narrativas, identificar intencionalidades, prever cenários e construir protagonismo informacional. Não estamos mais no mercado da informação. Estamos no mercado da compreensão.

O problema é que, enquanto a comunicação continuar prisioneira de um pensamento operacional, ela será a primeira a ser atropelada pelo futuro. E não por falta de competência técnica, mas por falta de ambição. Comunicação no Divã propõe exatamente essa virada: não se trata mais de usar ferramentas novas para fazer as mesmas coisas, mas de fazer perguntas novas. De assumir que o que trouxe até aqui não serve mais para levar adiante. De entender que comunicação não é o que se publica, é o que se percebe. Não é o que se diz, é o que se entende. E, portanto, não pode ser tratada como estética de mensagem, mas como arquitetura de significado.

Se a comunicação quer, de fato, ser estratégica, precisa primeiro entender que o que a impede não é o CEO, não é o CFO, não é o board. É o próprio modelo mental que aceitou, por tempo demais, ser tratada como apêndice. A evolução que se impõe não é digital. É intelectual. É passar do clipping para a análise, do dado para o sentido, da mensuração para a interpretação, do suporte para a liderança simbólica dentro das organizações.

E quem não fizer esse movimento, que não se engane: não será a inteligência artificial que vai te substituir. Será alguém que aprendeu a pensar com mais clareza, com mais contexto e com mais visão de futuro do que você. Porque, no fim das contas, o maior risco nunca foi a IA. O maior risco sempre foi o pensamento pequeno.

O que está diante de nós é uma oportunidade rara. A chance de, talvez pela primeira vez em décadas, reposicionar a comunicação não como uma engrenagem periférica, mas como o sistema nervoso das organizações. A transformação que se impõe não é uma ameaça. É uma libertação. É a possibilidade de abandonar, de vez, o papel de quem apenas acompanha e abraçar, definitivamente, o lugar de quem antecipa, traduz, interpreta e orienta. Porque se tudo hoje é informação, quem domina o sentido dessa informação deixa de ser suporte e se torna liderança. E quem tiver a coragem de fazer esse movimento, de deixar para trás a comunicação que se explica, para construir a comunicação que se impõe pelo valor que entrega, não vai apenas sobreviver. Vai liderar.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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