Última atualização: 14 de maio de 2025
Tempo de leitura: 4 min
Nos últimos meses, a inteligência artificial (IA) passou de promessa tecnológica a vilã. Servidores esfumaçados, data centers sedentos por eletricidade e algoritmos famintos por processamento são retratados como ameaças ao planeta. O debate sobre IA e Consumo Energético é necessário, mas há algo que poucos mencionam: há vilões antigos e silenciosos que continuam consumindo mais energia do que toda essa tal “revolução da IA”. E não, não estamos falando de fábricas ou mineradoras — mas sim de aparelhos elétricos domésticos como chuveiros, ferros de passar, ar-condicionado e geladeiras, onipresentes e inquestionados.
Segundo o relatório mais recente da Agência Internacional de Energia (IEA – https://www.iea.org/reports/energy-and-ai), os data centers usados para treinar e operar modelos de IA poderão triplicar seu consumo elétrico até 2030, chegando a quase 1.700 terawatts-hora (TWh) por ano no cenário mais pessimista — o equivalente ao uso anual de eletricidade de países como o Japão ou a Alemanha. É um número significativo. No entanto, o mesmo relatório indica que, no mesmo período, eletrodomésticos, veículos elétricos e sistemas de climatização continuarão puxando ainda mais o crescimento da demanda energética global.
Por exemplo, só o chuveiro elétrico, campeão absoluto de consumo residencial no Brasil, consome mais energia do que muitos imaginam que a IA consome. E o faz diariamente, por puro conforto momentâneo. Quando falamos em IA e Consumo Energético, é preciso lembrar que um grande data center pode consumir tanta eletricidade quanto 100 mil residências — mas essas residências também estão cheias de aparelhos que, somados, têm um impacto energético colossal. Isso sem falar nos sistemas de ar-condicionado, responsáveis por cerca de 10% do consumo global de eletricidade, segundo dados da IEA.
Há algo curioso nesse debate: enquanto a IA é analisada com lupa, artigos e mais artigos ignoram o peso invisível de nossos hábitos domésticos. A crítica à tecnologia de ponta é fácil, principalmente quando ela é complexa e desafia modelos mentais estabelecidos. A IA é tratada como perigosa porque é nova, abstrata e, muitas vezes, incompreensível. O chuveiro, não. O ar-condicionado, muito menos. Eles são familiares, previsíveis, e por isso, convenientemente esquecidos quando falamos em consumo excessivo.
Mas há uma diferença fundamental entre esses consumos: o propósito. A energia usada pela IA pode contribuir diretamente para diagnósticos médicos, gestão de redes elétricas, prevenção de catástrofes ambientais e inovação científica. É energia investida no avanço coletivo. Já boa parte do consumo doméstico está ligada à manutenção do conforto individual. Nada contra o conforto — ele é legítimo. Mas é incoerente condenar o uso de energia pela IA enquanto ignoramos o impacto diário de aparelhos que apenas mantêm nossas rotinas mais agradáveis.
Além disso, a IA também é parte da solução. Ela já está sendo usada para otimizar o consumo energético de edifícios, prever sobrecargas em redes elétricas, reduzir desperdícios industriais e até acelerar a pesquisa de baterias e materiais sustentáveis. Por exemplo, sistemas de gestão de energia predial baseados em IA podem reduzir o uso de aquecedores e sistemas de refrigeração em certos períodos do dia, resultando em economias significativas de energia.
É paradoxal, mas verdadeiro: a tecnologia que consome energia pode ser a mesma que nos ensina a usá-la melhor. O estudo citado pela IEA mostra que intervenções lideradas por IA em edifícios podem gerar economias globais de até 300 TWh de eletricidade, o equivalente ao consumo anual atual da Austrália e da Nova Zelândia combinadas.
A discussão, portanto, não deve girar em torno do fato de que a IA consome energia — isso é evidente. A questão mais relevante é o que estamos fazendo com essa energia. Estamos, afinal, gastando para refrescar cômodos ou para resfriar o planeta? Para aquecer a água do banho ou para esquentar a inteligência coletiva? Para facilitar o dia a dia ou para transformar o futuro?
Criticar a IA por seu impacto energético sem olhar para o restante do sistema é mais um reflexo da ignorância e má-fé do que de uma real preocupação com o planeta. A discussão sobre IA e Consumo Energético precisa ser mais equilibrada. A tecnologia, quando bem utilizada, não é o problema. Pode ser, inclusive, o caminho para soluções que ainda não imaginamos. Enquanto isso, seguimos com as geladeiras cheias, os chuveiros ligados, os ferros aquecidos e os textos contra a IA sendo escritos — ironicamente — em notebooks refrigerados, conectados à nuvem.
Nenhuma tecnologia é perfeita, incluindo a inteligência artificial. Mas a IA talvez seja nossa melhor chance de tornar o mundo mais eficiente, mais justo e mais preparado. Se quisermos mesmo discutir energia, que seja com honestidade. Sem esquecer que o futuro não será definido apenas por quanto consumimos, mas pelo que decidimos fazer com o que consumimos. A IA pode ser tanto um desafio quanto uma solução, dependendo de como a aplicarmos. O mesmo vale para nossos hábitos domésticos. Afinal, a mudança começa em casa — e talvez devêssemos começar por lá antes de apontar dedos para os outros.
Compartilhe:
Descubra como a sua empresa pode ser mais analítica.