Alguém já te pediu um conselho?

Última atualização: 10 de agosto de 2021
Tempo de leitura: 4 min

Sabe aquele ditado “se conselho fosse bom não se dava, se vendia”? Pois é… Tempos atrás, viralizou nas redes sociais a história de uma mãe, que cansada de ouvir palpites dos vizinhos sobre a criação de seu filho, colocou uma faixa provocante na frente do seu prédio. Ela fazia uma oferta especial para aqueles que quisessem continuar lhe dando conselhos: “A cada 5 pacotes de fraldas G ou XG, ganhe o direito de dar um palpite na criação do meu filho. Se o pacote for jumbo, poderão ser dois palpites”.

Dar um conselho parece uma boa forma de ajudar alguém. Muitas vezes o que falta é alguém pedir. Porém, dizer às pessoas o que elas devem fazer gera uma sensação de poder. Aquele que aconselha se sente valorizado e superior pela capacidade de dizer ao outro qual a melhor opção. Há quem diga que conselho atrofia, anula nossa capacidade de autodescoberta, cria dependência, transfere responsabilidade e gera crise de identidade. Pessoas que vivem do conselho alheio não conseguem mais ter medida de quem realmente são, gostam e desejam.

Agora vamos fazer um paralelo entre aconselhar e recomendar. Aparentemente conselhos se davam em um mundo analógico e recomendações ganharam espaço nos ambientes digitais. A evolução tecnológica multiplicou exponencialmente nossas opções em vários campos. Sejam nos livros, filmes, notícias, músicas, vídeos, anúncios, páginas de internet, ou mesmo no acesso a um amigo nas redes sociais. Quer estejamos comprando um par de jeans, pedindo uma xícara de café, selecionando uma operadora de celular, nos inscrevendo na faculdade, escolhendo um médico, as nossas decisões diárias, grandes ou pequenas, tornaram-se cada vez mais complexas devido à enorme abundância de escolha a qual somos submetidos, como bem apresentado no livro “The Paradox of Choice”, de Barry Schwartz.

A marca registrada da liberdade individual que tanto prezamos tornou-se prejudicial ao nosso bem-estar psicológico e emocional. Schwartz é um grande crítico a nossa obsessão em querer escolher e como a dúvida contribui para a ansiedade, a insatisfação e o arrependimento.

Sistemas de recomendação como sabemos, é uma das grandes aplicações da Inteligência Artificial (IA) nos dias de hoje. A proposta destes sistemas é ajudar as pessoas a lidarem com a sobrecarga de informações, dando dicas e filtrando o que os algoritmos determinam ser do nosso interesse. De um modo geral, esses mecanismos procuram personalizar experiências de compra, indicando os produtos mais adequados. De certa forma isso sempre existiu, mas com a tecnologia de IA e machine learning a personalização aumentou. Utilizando cálculos não lineares para funcionar de forma parecida com o cérebro humano, os resultados podem ser diferentes e até certo ponto surpreendentes e imprevisíveis, mas bastante assertivos.

As raízes dos sistemas de recomendação podem ser encontradas nos trabalhos extensivos das ciências cognitivas, teoria de aproximação, recuperação da informação, teoria de previsões e possuem influências das ciências de administração e marketing. Usando diferentes critérios para fazer as sugestões à usuários novos e antigos, cada modelo funciona baseado em critérios específicos para fazer as recomendações, seja pela similaridade de conteúdo, pelo consumo dos outros usuários, evoluindo e se adaptando às preferências de cada pessoa, reconhecendo as mudanças de gosto com a evolução do tempo ou com as experiências acumuladas.

Venho defendendo a complementariedade nas relações humanas e no uso da tecnologia. Impossível a simples substituição, ou a singela promessa de isso acontecer. Em alguns casos, a IA é fundamental e insubstituível pela capacidade, variedade e velocidade. Em outros, a sensibilidade humana é inigualável. Somos seres em constantes conflitos. Apenas a lógica não nos define. Queremos ter o que não temos e quando conseguimos, perde a graça. Qual algoritmo pode lidar com isso?

Mas até que ponto nós realmente escolhemos? Será que queremos o que dizemos para nós mesmos que queremos ou estamos apenas sendo manipulados e sugestionados? Podemos assumir que a indicação de algo em detrimento a alternativas desiquilibra o jogo? A desaprovação e consequente remoção de possibilidades pode ocultar outros interesses? São perguntas que não tenho respostas. Sinais de um tempo que vivemos e somos convidados a refletir.

Se você realmente gosta e quer o bem de alguém, não dê conselhos. Apenas ajude a se descobrirem e fazerem suas próprias escolhas. Não é apontando caminhos que vamos conseguir melhorar a vida dos outros. Se quem aconselha for um exemplo, seu próprio comportamento é que deve ser seguido.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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